Ética digital

 


 



 

Introdução

Ética versa sobre o que é certo ou errado, bom ou mau, justo ou injusto, legal ou ilegal. Estar diante destas situações desafia a conduta humana na tomada de decisões. As questões sobre ética veem sendo tratadas desde o século IV a.C. envolvendo filósofos de peso como Platão, Sócrates e Aristóteles - tido como o pai da ética. Já era consenso dos filósofos antigos que o estabelecimento de padrões de conduta era fundamental para uma vida em sociedade. Desde então, este tema acompanha a evolução da humanidade. Por mais que devesse ser límpido é, na verdade, um assunto complexo pois englobou no julgamento conotações que envolvem cultura, local, tempo, religião e interesses de toda ordem. Este fato prejudica o estabelecimento de um conceito comum sobre ética que possa ser aplicado por todos, ainda assim, não podemos deixar de continuar debatendo o tema.

Muitas pessoas individualmente ou em grupo, fora ou dentro das organizações, tomam decisões antiéticas com o objetivo de levar vantagens.

O tema ética digital ganhou muito destaque nos últimos anos em função das fronteiras de certo ou errado que foram e podem ser rompidas. Gostaria de acrescentar que em outras áreas das ciências e de negócios também apresentam riscos. 

O exemplo em biotecnologia vai para a Theranos¹, a empresa vendia que sua tecnologia podia testar centenas de doenças a partir de uma gota de sangue. Parecia inacreditável. E era. Usuários dos testes de sangue, incluindo um paciente com câncer, disseram ter sido vítimas de diagnósticos equivocados.

A Volkswagen é um exemplo de imagem arranhada por prática antiética. Aqui estou, escrevendo sobre uma empresa exemplo de avanço tecnológico e que adulterou as informações de emissões de gases no período de 2009 a 2015. Junto com ela outras empresas também estavam envolvidas, mas foi ela que recebeu a pecha do mau exemplo e é citada constantemente. Sem dúvida esta quebra de credibilidade que afetou a confiança de seus clientes lhe custará mais do que ela ganhou com a adulteração. 

Voltando ao consenso da antiguidade, precisamos de padrões para seguirmos em frente. Vou me concentrar na área digital porque muitos dos dilemas que veremos entraram nas nossas vidas e estão presentes no nosso dia a dia. 

Dilemas na ética digital 

Robôs preconceituosos: Software usado para prever futuros criminosos, por inconsistência de programação, mostrou preconceito contra a raça negra. 

Sistemas de seleção de candidatos a ocupações são manipulados para segregarem pessoas em função das suas crenças, gêneros e opiniões. 

Privacidade exposta: Podemos ser perseguidos para sempre pelo marketing digital. Os interesses comerciais não podem ser mais importantes do que o nosso bem-estar. 

As empresas de marketing digital estão nos conduzindo a consumir produtos específicos. 

Seus dados compartilhados com seu consentimento para uma empresa podem estar sendo compartilhados para outras fontes sem o seu conhecimento. 

Como as informações privadas registradas em um blockchain serão exploradas? 

Roubo de identidade: Os dados de indivíduos e empresas estão sendo roubados para diversas finalidades como por exemplo abertura de contas em bancos. 

Pirataria: Informações de mídia estão sendo copiadas na integridade ou de forma parcial criando uma falsa fonte de propriedade intelectual. 

Ransomware: Ciber criminosos estão boqueando os acessos aos sites de empresas e cobrando resgates para liberá-los. 

Vazamento de dados: Hackers estão promovendo vazamento de informações de pessoas e empresas para denegrir suas imagens. 

Prática da concorrência desleal: Ciber criminosos estão roubando informações de produtos e dados dos clientes de empresas para vender para concorrentes ou para resgate financeiro. 

Fake news nas mídias online: Notícias falsas estão sendo amplamente divulgadas com o objetivo de criar desinformação e manipular a opinião pública gerando grande impacto na sociedade. 

Vulnerabilidade cibernética ²: Em função da digitalização de tudo. Por exemplo, a digitalização de cadeias de suprimentos físicas cria vulnerabilidades porque essas cadeias de suprimentos dependem de provedores de tecnologia de terceiros, que também estão expostos a ameaças semelhantes e potencialmente contagiosas. 

Sub oferta de profissionais cibernéticos: há uma lacuna de mais de 3 milhões em todo o mundo – que podem fornecer liderança cibernética, testar e proteger sistemas e treinar pessoas na segurança digital. 

O surgimento do metaverso. À medida que o valor do comércio digital no metaverso cresce em escopo e escala, esses tipos de ataques crescerão em frequência e agressão. As inúmeras formas de propriedade digital, como coleções de arte NFT - non-fungible token (token não fungível) - e imóveis digitais, podem atrair ainda mais a atividade criminosa.

Ataques cibernéticos aos sistemas dos bancos, hospitais, GPS, controle do tráfego aéreo, serviços de saúde, distribuição de água e energia etc. podem criar caos.

Clonagem de voz: Está sendo usada para assumir uma falsa identidade perante os conhecidos e familiares das pessoas clonadas com fins diversos desde trotes até extorsões.

Como mitigar os dilemas

Existem inúmeras opiniões e caminhos. Vou optar pela simplicidade em expor um ponto de vista que está baseado em três pilares.

  •        Leis, controles e punições governamentais
  •        Atitudes dos fabricantes e comunidades afins
  •        Respostas das sociedades 

Leis, controles e punições governamentais

Há uma vertente que diz que a inovação não ocorrerá se prevalecer o controle. Hoje temos muitos outros controles para outras situações, não são perfeitos é verdade, mas não nos impediram de chegar aos dias de hoje.

Vou dar um exemplo totalmente desconexo com o tema, mas que é muito ilustrativo. Escrevo com as minhas palavras, mas o tirei de um vídeo que assisti de Gemma Galdon Clavell³. Imagine uma grande cidade sem sinais de trânsito, faixas de pedestres, sinalizações de conversões e de sentidos, limites de velocidades etc. Ela simplesmente pararia além dos inúmeros acidentes humanos e materiais. Todas os obstáculos e regras colocados entre o meu deslocamento de um ponto para outro foram feitos para que eu chegasse ao meu destino com segurança e bem-estar da mesma forma como feito para todas as pessoas que também estavam se deslocando. Regras não impedem o progresso que faz bem à coletividade em geral, no entanto elas podem contrariar interesses pontuais.

Muitos governos já estabeleceram leis, controles e punições. No Brasil elas estão contidas na Lei geral de proteção de Dados – LGPD.

Recentemente temos visto os exemplos de punições.

  • Elizabeth Holmes, CEO da Theranos, foi condenada pela justiça da Califórnia por fraude. Ela cumprirá pena em prisão.
  • O Google foi multado várias vezes na França por não pagar adequadamente publicadores, utilização de cookies e em outros aspectos.
  • O Facebook fechou acordo de US$ 5 bilhões com o Federal Trade Commission - Comissão Federal de Comércio - por violar a privacidade dos consumidores. Além desta penalidade, Mark Zuckerberg já esteve no congresso americano para esclarecer muitas irregularidades do Facebook.
  • A Amazon também sofreu penalidades em vários países por descumprir a Lei de Proteção de Dados Europeia
  • Lei aprovada nos Estados Unidos impede que big techs como Google e Amazon deem preferência para seus negócios em seus sites.

Este cerco é muito importante não só como reparação, mas também como sinalização.

Atitudes dos fabricantes e comunidades afins

As penalidades diversas sofridas por grandes empresas, bem como os impactos em suas imagens, estão criando um novo direcionamento. Segundo a Reuters, empresas como Microsoft, IBM e Google estão recusando projetos que envolvam dilemas éticos principalmente em função da IA. Estas empresas criaram comitês de ética para avaliar os requerimentos de clientes. O Google Clould especialista em suporte às instituições recusou participar de um projeto de um cliente. A Microsoft restringiu a venda do seu software que imita vozes com finalidade de atender pessoas com deficiência de fala, agora precisa de um consentimento do usuário. A IBM rejeitou desenvolver para um cliente um sistema de reconhecimento facial.

Na verdade, alguns dos retrocessos estão sendo feitos para dar tempo às empresas de melhorarem tecnicamente seus serviços para garantir que não haja incorrência antiética.

Uma outra fonte de pressão seria o posicionamento das Associações de Softwares e Inteligência Artificial para debaterem com seus associados o quão ruim seria para todos a perda de confiança dos consumidores e as penalidades dos governos. Quem tem compromisso com o futuro deve andar na linha.

A Comunidade Europeia quer fazer um trabalho conjunto com os Estados Unidos para dar um rumo às Big Tech’s. Um outro exemplo é o da Singapore Computer Society que reuniu em um livro, orientações – feitas por muitos especialistas - às empresas. No prefácio do livro reconheceram que os limites da IA ainda não são conhecidos e que então a preocupação com as orientações seria para o que IA deve fazer e não para o que ela pode fazer.

Respostas das sociedades

Em primeiro lugar quero destacar o papel do usuário. Muito das informações a nosso respeito foram colocadas por nós mesmos nas redes sociais. Devemos tomar cuidado com que postamos em qualquer tipo de mídia. Outras informações fazem parte dos sites de acesso. Temos que verificar bem os consentimentos que damos quando somos perguntados sobre alguma coisa. Completando o leque de informações temos os sistemas de monitoramento. Tudo é minerado por robôs inteligentes. As sutilezas são tão grandes que pegam até os conhecedores. Não estaremos livres das artimanhas então um pouco de receio é bom. Na dúvida não devemos fazer nada de imediato enquanto buscamos mais informações e não podemos ter receio de escalar as denúncias.

Em segundo lugar quero destacar a importância dos depoimentos de empregados das grandes empresas que denunciam nos fóruns corretos as práticas antiéticas delas. Essas pessoas vão desde especialistas até executivos de ponta. Temos que fazer valer nossas vozes para o bem comum. A tecnologia está a nosso serviço e não o contrário.

Conclusão

Não existe grandes avançados sem o contraponto da preocupação. Toda esta massa de informações de tudo e de todos será controlada por quem? Ainda que a liberdade seja o motor das grandes melhorias, as preocupações com as questões éticas e de segurança no gerenciamento dos dados são extremamente relevantes. 

Vimos que o nível de acesso às informações é muito possível graças às vulnerabilidades cibernéticas. Estes dilemas serão ampliados em função da internet das coisas - IoT- que será alavancada pela chegada da rede 5G. 

“Portanto, a Internet das Coisas, a comunicação M2M, o Big Data, a Inteligência Artificial, nada disso poderá gerar frutos a menos que possamos forjar novos contratos sociais, uma nova ética, um novo estado de direito que nos faça sentir seguros e nos permita trabalhar, afirma o futurólogo Gerd Leonhard, para quem a conectividade será como o oxigênio, necessário para a vida moderna. Sem estabelecer um quadro de confiança, ninguém vai sobreviver, ressalta ainda”. 

Finalizo expressando a minha confiança de que caminhamos para uma sociedade brilhante.


Vídeo

Ética digital | Carlos Pimenta https://youtu.be/h9ePkOZGAGI

Consulte e veja mais vídeos sobre outros temas na Página Vídeos recomendados.

Referências 

Digital ethics rising in importance | Chris K. Dimitriadis

Filosofia, ética e sociedade | portaldaconscienciapolitica.com.br

Comportamento ético na sociedade | Partricia Puhl

Por que a ética digital será um tema quente em 2019 e depois | Martina Eckermann

¹ Elizabeth Holmes: a 'cultura de fingimento' que favorece escândalos no Vale do Silício | BBC

² The Global Risks Report 2022 | World Economic Forum

³ Qué es la ética de la tecnología y por qué debería importarte | Gemma Galdón-Clavell – TEDxZaragoza

Os cinco principais éticos - princípios morais para transformação digital | Dave Yardley

FTC Imposes $5 Billion Penalty and Sweeping New Privacy Restrictions on Facebook

Tech giants are killing AI projects for ethics | By DSAITrends editors

AI Ethics & Governance Body of Knowledge | SCS

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